Páginas

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

MACRO VISÃO


imagem André Uba / saturação Julli Pop
HOje quero imprimir minhas percepções dos últimos dias com palavras de um outro alguém, um outro alguém que não por acaso, parece muito bem conhecer a deliciosa sensação de escrever. Este alguém, descrito ao término do texto conta sobre suas experiências com um amigo que tivemos em comum e que sabia olhar o mundo por uma MACRO VISÃO. Ele demorou demais para perceber o quanto isso era importante e se foi cedo mas nos deixou delicadas possibilidades de experimentar VER O MUNDO de modo "LUPADO"... deleitem-se.

Lição de Fotografia
Certa vez um amigo me ensinou a fotografar. Ele me mostrou todos os princípios básicos da fotografia: segredos de luz, jogos de ângulo, manuseio da câmera... Enfim, como aplicar ao máximo a arte de captar imagens.
Em cada aula eu aprendia um pouco sobre a arte de fotografar. Meu amigo sempre me dava dicas e conselhos, e assim transmitia a mim toda sua experiência em fotografia. Penso que uma das maiores virtudes do Homem seja a generosidade, e esse amigo tinha generosidade de sobra para repassar o que aprendeu; tinha gosto por irradiar o conhecimento.
Irradiar conhecimento é ser tal qual uma caixa d’água, que só começa a encher de novo quando a água que tinha em si é retirada. Assim somos nós, se não repassamos o conhecimento que temos, logo sucumbiremos, logo apodrecerá dentro de nós. Se o repassamos, ele faz discípulos, e esses discípulos farão outros e o conhecimento se propagará em escalas inimagináveis.
Os fotógrafos são pessoas generosas por natureza. É só atentarmos ao fato de que raramente eles aparecem em uma fotografia. E se alguém lhes pergunta por que não apareceram, respondem que estavam lá só que ninguém os vê porque estavam por trás das lentes da câmera. Mesmo assim, não medem esforços para nos presentear com imagens da vida.
Em uma das muitas aulas que tive, meu amigo resolveu não tratar de técnicas nem abordar temas externos; tirou esse dia para falar sobre aquilo que, para ele, realmente importava na arte da fotografia:
“- O rosto é o que realmente importa!”
O rosto a que ele se referia é aquele que quase nunca conseguimos ver. Mas não porque nossos olhos perderam a capacidade de enxergar, e sim porque não sabemos olhar para o lugar certo. Não enxergamos porque estamos acostumados a olhar o mundo por cima, sem nos preocuparmos com o que acontece sob nossos olhos. Nem imaginamos que algumas coisas de suma importância ocorrem bem debaixo dos nossos narizes.
É o rosto que realmente importa, disse ele, pois é no rosto que está o sorriso. É o rosto que revela a alegria ou a tristeza de alguém. É no rosto que estão os olhos, o nariz, a boca e os ouvidos bem ao lado dele. É no rosto que estão quatro dos cinco sentidos do corpo. Mas para isso ninguém liga mesmo, estamos todos preocupados em olhar para cima, a visão macro ou, como diz o ditado, “olhar para frente que atrás vem gente”. Mas o que importa realmente está embaixo. A visão panorâmica mostra, quando muito, os cabelos brancos ou a linha do horizonte que quase nunca revela algo novo. Às vezes, é bom sim olhar para baixo em busca de algo diferente.
- Agora sei por que o rosto importa tanto, amigo: sem ele a foto perde a razão de ser!
O rosto é o que importa, mas nenhum dos sentidos importa mais do que o outro. Cada um tem sua respectiva função: os olhos são a lâmpada do corpo, veem o mundo e iluminam os caminhos; a audição nos permite escutar todos os sons do planeta; o olfato inala o fôlego da vida e fareja os aromas do mundo; o paladar prova de todos os sabores... Quanto ao tato, que não está no rosto, ele pode ser encontrado nas mãos do fotógrafo que, com sua sensibilidade, buscou no chão um rosto que representasse num só enquadro toda a essência do existir.

Crônica dedicada a Fernando Antonio Ozório, o saudoso amigo-fotógrafo a que o texto se refere.


Deivid Augusto Samora

Nenhum comentário:

Postar um comentário